quinta-feira, 18 de abril de 2013

HEROIS DO FUTURO

A senhora Wayne desceu a longa escadaria que levava aos porões da mansão, onde seu filho certamente estaria:
            - Bruce...Bruce, onde está você?
            Olhou em volta, pelo salão enorme, e só viu os caixotes, ainda lacrados e com os selos todos escritos em chinês, as únicas palavras em inglês eram “Made in Taiwan”. Continham equipamentos de alta-tecnologia, importados pelo marido, riquíssimo industrial dono de centenas de empresas. O extraordinário aparato eletrônico, fabricados sob encomenda, serviriam para satisfazer os exóticos caprichos do filho, que insistia em dizer que tais “brinquedinhos” faziam parte de um projeto secreto, que no futuro iriam ajudá-lo a combater o crime de maneira high tech - “coisas de menino” - diziam os pais.
            - Apareça logo, Little Bruce, você tem visita.
            O jovenzinho tinha outros hábitos estranhos, mas era extremamente inteligente. Lia quase tudo, em vários idiomas, de Aristóteles a Hackers - Piratas de computador, tendo lido pelo menos umas cinco vezes Tieta do Agreste de Jorge Amado, talvez pelo conteúdo educativo do Best Seller do baiano.
            A senhora insistia:
            - Bruce. Apareça de uma vez por todas. Richard Grayson, aquele pobre menino do orfanato veio para sua visita semanal. Você sabe que temos um compromisso com a madre-diretora, e tem que brincar com ele esta tarde.
            - Qual é mãe! - disse Bruce Wayne, que tentava desvencilhar os pés das presilhas que o sustentavam de cabeça para baixo, no teto do porão. Ele ficava horas assim, e os Wayne preocupados com as manias esquisitas do garoto pensaram em levá-lo a um psiquiatra, porém ficaram mais tranquilos, quando este explicou que se tratava de um estudo prático e comportamental, para um tratado que estaria desenvolvendo sobre a vida dos morcegos. Apesar da estranheza, conformaram-se. - Esse pirralho de novo, que saco!
            - Não fale assim do Dick, querido! Ele não teve a sorte de nascer abastado, como você. Bem, comporte-se que Alfred já preparou um lanchinho para os dois, junto à piscina.
            - Droga! Tenho mesmo que aturar esse pivete?
            - Tem! - obrigou a madame.
            - Tá certo. Pelo menos posso convidar os garotos da turma?
            - Pode. Mando providenciar mais lanches, mas já vou avisando, se você aprontar estripulias e correrias pelo jardim e não cuidar das minhas tulipas escandinavas, eu bato em você prá valer!
            - Tá bom, manhê.
            Além da devoção à família, o maior apego da senhora Wayne eram as tulipas, flores raríssimas que brotavam no imenso jardim da mansão, e que só se abriam à noite e uma vez por ano, exatamente como ela.
            A turma já estava reunida, sempre liderada por Bruce, o mais forte dos garotos, mesmo não sendo o mais velho. Quem tinha mais idade, era um garoto baixote, meio roliço, que tinha um nariz pontiagudo, parecendo que lhe brotava uma cenoura no rosto meio redondo. Para completar, mesmo quase adolescente, mantinha sempre um pirulito na boca, de onde só aparecia o palito. Tinha, também, o mau-hábito de sempre falar com a guloseima na boca, enchendo-lhe as bochechas e que lhe atrapalhava a dicção. Havia, ainda, o cacoete de usar um bordão, toda a vez que ficava nervoso: “Eu, hein! Eu, hein!”.
            Cada vez que dizia isso, a meninada ria debochada, pois o som que saia, mais lembrava um pato a grasnar:
            - Fala quenquém!
            Mesmo que isso o irritasse, já não ligava. Havia se acostumado.
            O outro menino da turma era um grande fanfarrão, fazia piada de tudo e de todos. Vivia de traquinagens muito levianas e até malvadas. Era o bobo do grupo, porém achava-se divertido. Em todos colocava apelidos.
            O gorduchinho era o pinguim:
            - Ha,ha,ha! Quando você crescer tem que comprar um fraque e um guarda-chuva, e procurar emprego como porteiro de geladeira - divertia-se. A Bruce, que tinha as orelhas de abano e, pior, ligeiramente pontudas, traço peculiar de família, chamava de morcegão, principalmente depois que este lhe contara de suas pesquisas sobre o mamífero alado e de seus hábitos noturnos, e que estaria treinando para aprender a dormir pendurado pelos pés, no porão da mansão. Ao velho mordomo Alfred, que tinha linhagem inglesa, a postura inegavelmente britânica e era muito idoso, zombava maldosamente chamando-o de tio Funéreo. Ao menino órfão, recém reunido à turma, lançou a nova galhofa:
            - Bem, você está chegando agora, mas tem que saber que para brincar junto com a gente tem que ter apelido, e já que você vive na Febem...
            - Não é Febem, é um orfanato. - intercedeu Bruce.
            - Certo. Orfanato, Febem... É quase a mesma coisa. Normalmente lá vive gente pobre, e alguns viram ladrões.
            - Santa comparação! - disse Dick Grayson.  O gozador continuou:
            - Tem uma história de um ladrão que roubava dos ricos para dar aos pobres, isto é, para si próprio. E acho que este será seu futuro. Seu apelido será Robin Hood.
            - Santo apelido! - consentiu o pequeno Dick, que mesmo não entendendo muito bem, pelo fato de ter apenas sete anos, além do mais, estava mais interessado em comer o mais rápido possível, a maior quantidade de brigadeiros que conseguisse, e tentava guardar alguns nos bolsos da calça, o que foi notado pelo maldoso garoto:
            - Viram? Viram?  Já está roubando com este tamanho! O menino é um prodígio, esse tal Robin Hood. - e o pequenino:
            - Só Róbim, tá bom! O Údi eu não gostei.
            - Que seja Robin! Para combinar com roubinho. Ha, ha, ha. Agora temos o Morcegão, o Pinguim e o Robin.
            De repente o silêncio interrompeu os risos. Todos se deram conta que o malandro não tinha apelido, então Bruce Wayne contra-atacou:
            - Bem, meu caro Arlequim. Tenho aprendido a jogar canastra com meu pai, e como você é um grande canastrão, eu acho conveniente pôr lhe um apelido com o nome da carta mais safada do baralho - O Coringa!
            - Coringa, eu? Seu riquinho besta! Tá me comparando com aquelas calças vagabundas, a tal de brim coringa?
            E começou a confusão. O Coringa, de apelido novo, corria atrás de Bruce Wayne, no que foi ajudado pelo Pinguim, que só grunhia -”quenquém”- por causa do pirulito, enquanto o Robin continuava comendo os brigadeiros e, só dizia:
            - Santos brigadeiros, santos brigadeiros!
            No corre-corre, pisotearam as adoradas flores de madame Wayne que, quando viu, acabou com a arruaça, arrastando o jovem Bruce pelas orelhas. E sentenciou:
            - Eu lhe avisei safado, cretino. Agora tu vais levar uma sova de chicote de cavalariça.
            - Não, mãe! Por favor, please! Pode puxar as orelhas, elas já são pontudas mesmo. Só não bate, mãe! Só não bate, mãe!
            Enquanto a senhora Wayne arrastava o menino para dentro, no lado de fora, só se escutava os apelos, que ecoavam do imenso living da mansão:
            - N...Batemãe, batemãe, batemãe...

domingo, 14 de abril de 2013

O DELEGADO DA FRONTEIRA - A PRIMEIRA OCORRENCIA

Parecia tudo calmo, à primeira vista, na delegacia de Uruguaiana, quando entrou um sujeito correndo:
            - Quero dar queixa, doutor. É contra o meu vizinho o Normélio. Ele está roubando minhas galinhas.
            O homem dizia isso, já quase sem fôlego. O Delegado da fronteira foi tentando acalmar as coisas:
            -Sossega índio velho. Senão, tu te afoga na própria baba de mascar fumo. Vai falando, mas conta os pingos dos “is”.
            - É que o Normélio, meu vizinho, vem roubando minhas galinhas. Da poedeira à velha, que cuidava como nenhuma dos ovos dos galos de rinha.
            - Tu cria galo de rinha? Saltou o Delegado.
            - Bem, doutor. Só prá ver crescer aquelas formosuras, tudo com as penas coloradas bem reluzentes.
            - Ah! Sei. É só prá regalo dos olhos.
            - É...
            - Tá Bueno! Tu tem certeza que é teu vizinho? Tens prova?
            - Prova eu não tenho, mas é só ver no pátio dele o mundaréu de penas que tem lá.
            - Mas,  pena não é prova! Isso toda galinha tem, e até mulher-dama solta umas de vez em quando. Talvez o homem esteja juntando prá uma fantasia de carnaval, prá sair no bloco “Estação primeira dos Chibeiros da zona do Buraco de Libres”.
            - Côsa nenhuma, doutor, é ladrão mesmo. Eu o vi levando duas, das brancas.
            - Vai ver que teu vizinho é macumbeiro, e tu não sabe. Ou então só queria fazer canja prá alguém doente, fez até caridade com tuas galinhas.
            - Nada disso, seu Delegado. O tal é sem-vergonha. Ou então, tá fazendo caridade prá toda a Legião da Boa Vontade, pois é a duocentésima qüinquagésima terceira galinha que ele rouba.
            - E onde é que tu aprendeste a falar assim de número? Ou tu és parente do Oswald de Souza, ou anda com mulher de contador.
            - Não importa, doutor. Só sei que é o Normélio!

            Diante das evidências, da queixa formal, e até o testemunho ocular da vítima, ao Delegado da fronteira só restou intimar o acusado.
            Intimado, o ladrão de galinhas compareceu à delegacia, onde foi dado início ao inquérito, começando com o interrogatório:

            - Desembucha, tchê! Tu roubaste ou não as galinhas do teu vizinho?
            - Acontece, doutor...
            - Acontece côsa nenhuma! Tu é que faz acontecer, ou melhor, desacontecer.
            - Mas é isso, doutor delegado! É que as bichinhas insistem em ir pro meu terreiro, comer o meu milho, então achei justo ficar com uma ou duas pelas despesas com o milharal. Depois que provei, aí não teve jeito, gamei no gostinho. Agora entrou, vira canja ou galeto assado, como mesmo e com gosto.
 
            - Tá vendo! Eu sabia que tu ias confessar. Abigeato e seqüestro seguido de morte. Crime hediondo.
            - Abigeato? Mas abigeato é roubo de gado e, seqüestro...Tá louco doutor?
            - Louco, não. Apenas emputecido com o que tu fizeste. Comeu as crias do teu vizinho.
            - Mas não foram as filhas, foram as galinhas.
            - Não importa. Elas te pediram prá ir?
            - Não...
            - Então, seqüestrou... E ficaste com elas?
            - É, fiquei, mas...
            - Nem más, nem boas! Roubou! Aí é abigeato. O seqüestro eu até desconsidero, e o fato de comer, se não estivessem mortas, seria corrupção e abuso sexual, mas vou relevar esta parte, por se tratar deste bicho, já que eram galinhas mesmo.
            - Seu doutor, não foi abigeato!
            - Como não? Não tinha cerca?
            - Tinha. Mas abigeato é roubo de gado!
            - E não é? As galinhas eram o rebanho dele. Roubou é abigeato. Tá enquadrado, teje preso, mas só até amanhã ao meio-dia. Ta intimo a preparar o meu almoço, vais preparar um galetinho lindaço que, pelo jeito é a tua especialidade.

segunda-feira, 8 de abril de 2013

HISTÓRIAS DE IBIRAQUERA

Da janela da sala, observando a lagoa de Ibiraquera era possível ver que não demoraria muito para que o temporal que avançava sobre a serra do tabuleiro alcançasse aquele remanso na encosta do morro. A casa alta toda avarandada em seu segundo piso é realmente confortável e acolhedora em toda a sua simplicidade. Alguns minutos se passaram e os ventos já eram fortes o bastante para trepidar os vidros e balançar as árvores. E a chuva chegou intensa, com relâmpagos e trovões. Anoiteceu em seguida. Mesmo com a virada no clima, a calmaria e o sossego do lugar não foram afetados. Permanecíamos às voltas com nossas atividades, que ali, eram de lazer e criação. Aliás, o ambiente propiciava tudo para reflexões e criatividade.
         A chuva aos poucos foi diminuindo e os sons das trovoadas ficavam mais distantes. Somente um ou outro clarão iluminava a noite escura.
         Eu estava à mesa redigindo notas e tentando construir algumas frases, compor ideias o mais ordenadamente que pudesse. Quase nunca este é o modo como escrevo, mas estava me atrevendo ao exercício. Lisa estava cuidando da edição de algumas fotos em seu computador sentada ao sofá que se posiciona em frente às janelas.
         A noite finalmente ficara em seu habitual estado de calmaria, com a quietude e o som suave de um vento agora leve. Foi nessa atmosfera agradável que, de repente, vi parado diante da porta que fica permanentemente aberta, um grande cachorro de pelo amarelo. Ele estava assim, quieto. Parado apenas nos observando, quando chamei a atenção de Lisa. Nesse momento, sem qualquer cerimônia, o cachorro amarelo se aproximou de mim e se postou com a cabeça levemente abaixada para receber um afago, depois se dirigiu até onde estava Lisa para também receber um carinho. Feito isto, apenas deitou-se aos meus pés e dormiu como se fosse um amigo de sempre. Chegava a suspirar. Ficamos observando o cachorro amarelo e sem entender nada, não fizemos qualquer comentário, apenas nos olhamos e sorrimos, dando de ombros.
         Continuamos com as coisas que estávamos fazendo por cerca de uns trinta ou quarenta minutos. O cachorro amarelo, vez ou outra apenas abria os olhos, percebendo que estava sendo observado e, abanava levemente a cauda em sinal de cortesia. Como se dissesse “oi, tudo bem aí?”.
         Finalmente Lisa olhou para ele dizendo:
 
         - Vem cá rapazinho! Que você veio fazer aqui? Uma visitinha? Temos que te dar um nome...humm...acho tem cara de Frederico, Fred. Isso. Vamos te chamar de Fred.

         Eu me levantei alguns minutos depois e fui para a varanda, e chamei o cachorro amarelo - o Fred - para sair à rua, pois pretendia fechar a porta e nos preparar para dormir. Tínhamos planos de ir até Siriú no dia seguinte. Fred simplesmente caminhou até a porta, mas não saiu. Ficou me observando com olhar gentil, mas não saiu. Então recorri à tradicional armadilha: comida. Peguei duas almôndegas do jantar e coloquei na rua para ele. Funcionou. Fred saiu para comer, então fechei a porta e fomos para o quarto, após desligar as luzes da sala, deixando apenas ligadas as da varanda.
         Depois de alguns minutos, já deitados, ouvimos um ruído estranho do lado de fora da casa, como se alguém tivesse empurrado as cadeiras na varanda. Levantamos em silencio e, ao chegarmos na sala vimos uma cena que vai ficar sempre na memória. O Fred simplesmente subiu em uma das cadeiras de vime e postou-se como uma sentinela. Percebeu nossa presença e apenas virou a cabeça, deu uma olhada e voltou ao posto de guarda. Não se moveu dali, nem quando Lisa o fotografou.
         Na manhã seguinte a primeira coisa que fizemos foi procurar pelo cachorro amarelo. Tinha ido embora, tão sutilmente como chegara.
         Tão logo o chimarrão ficou pronto, sentamo-nos na varanda. O velho Jovi, vizinho e caseiro de sempre, trazia as vacas de leite Fumaça e Fumacinha para leva-las ao pasto que ficava adiante a uns duzentos metros da casa. Sempre passava pelo terreno margeando a lagoa.
         Depois do tradicional “bom dia”, comentei:
         - Jovi, veja só que coisa homem! Ontem à noite depois do temporal, do nada, apareceu por aqui um cachorrão amarelo...
         Fui interrompido por ele.
         - Ah, não me diga que foi um cachorro grande de pelo amarelo.
         Respondi:
         - Sim, foi. Como sabe? Conhece o bichinho?
        
        - Pois olha seu Lima, é meio esquisito isso porque já faz mais de ano que ninguém vê esse cachorro por aí. Ficou perdido, sem paradeiro certo depois que foi abandonado. Muito manso ele, sabe? O dono dele morreu já tem uns cinco anos. Aí um pessoal cuidava dele, mas foi embora. O cachorro vivia sempre com o dono para todo o lado. O velho morava na casa aí ao lado. Vocês vieram no meio do ano seguinte. Era gente boa aquele seu Frederico.

sexta-feira, 5 de abril de 2013

HISTÓRIAS DE IBIRAQUERA


Da janela da sala, observando a lagoa de Ibiraquera era possível ver que não demoraria muito para que o temporal que avançava sobre a serra do tabuleiro alcançasse aquele remanso na encosta do morro. A casa alta toda avarandada em seu segundo piso é realmente confortável e acolhedora em toda a sua simplicidade. Alguns minutos se passaram e os ventos já eram fortes o bastante para trepidar os vidros e balançar as árvores. E a chuva chegou intensa, com relâmpagos e trovões. Anoiteceu em seguida. Mesmo com a virada no clima, a calmaria e o sossego do lugar não foram afetados. Permanecíamos às voltas com nossas atividades, que ali, eram de lazer e criação. Aliás, o ambiente propiciava tudo para reflexões e criatividade.

         A chuva aos poucos foi diminuindo e os sons das trovoadas ficavam mais distantes. Somente um ou outro clarão iluminava a noite escura.

         Eu estava à mesa redigindo notas e tentando construir algumas frases, compor ideias o mais ordenadamente que pudesse. Quase nunca este é o modo como escrevo, mas estava me atrevendo ao exercício. Lisa estava cuidando da edição de algumas fotos em seu computador sentada ao sofá que se posiciona em frente às janelas.

         A noite finalmente ficara em seu habitual estado de calmaria, com a quietude e o som suave de um vento agora leve. Foi nessa atmosfera agradável que, de repente, vi parado diante da porta que fica permanentemente aberta, um grande cachorro de pelo amarelo. Ele estava assim, quieto. Parado apenas nos observando, quando chamei a atenção de Lisa. Nesse momento, sem qualquer cerimônia, o cachorro amarelo se aproximou de mim e se posto com a cabeça levemente abaixada para receber um afago, depois se dirigiu até onde estava Lisa para também receber um carinho. Feito isto, apenas deitou-se aos meus pés e dormiu como se fosse um amigo de sempre. Chegava a suspirar. Ficamos observando o cachorro amarelo e sem entender nada, não fizemos qualquer comentário, apenas nos olhamos e sorrimos, dando de ombros.

         Continuamos com as coisas que estávamos fazendo por cerca de uns trinta ou quarenta minutos. O cachorro amarelo, vez ou outra apenas abria os olhos, percebendo que estava sendo observado e, abanava levemente a cauda em sinal de cortesia. Como se dissesse “oi, tudo bem aí?”.

         Finalmente Lisa olhou para ele dizendo:

         - Vem cá rapazinho! Que você veio fazer aqui? Uma visitinha? Temos que te dar um nome...humm...acho tem cara de Frederico, Fred. Isso. Vamos te chamar de Fred.

         Eu me levantei alguns minutos depois e fui para a varanda, e chamei o cachorro amarelo - o Fred - para sair à rua, pois pretendia fechar a porta e nos preparar para dormir. Tínhamos planos de ir até Siriú no dia seguinte. Fred simplesmente caminhou até a porta, mas não saiu. Ficou me observando com olhar gentil, mas não saiu. Então recorri à tradicional armadilha: comida. Peguei duas almôndegas do jantar e coloquei na rua para ele. Funcionou. Fred saiu para comer, então fechei a porta e fomos para o quarto, após desligar as luzes da sala, deixando apenas ligadas as da varanda.

         Depois de alguns minutos, já deitados, ouvimos um ruído estranho do lado de fora da casa, como se alguém tivesse empurrado as cadeiras na varanda. Levantamos em silencio e, ao chegarmos à sala vimos uma cena que vai ficar sempre na memória. O Fred simplesmente subiu em uma das cadeiras de vime e postou-se como uma sentinela. Percebeu nossa presença e apenas virou a cabeça, deu uma olhada e voltou ao posto de guarda. Não se moveu dali, nem quando Lisa o fotografou.

         Na manhã seguinte a primeira coisa que fizemos foi procurar pelo cachorro amarelo. Tinha ido embora, tão sutilmente como chegara.

         Tão logo o chimarrão ficou pronto, sentamo-nos na varanda. O velho Jovi, vizinho e caseiro de sempre, trazia as vacas de leite Fumaça e Fumacinha para leva-las ao pasto que ficava adiante a uns duzentos metros da casa. Sempre passava pelo terreno margeando a lagoa.

         Depois do tradicional “bom dia”, comentei:

         - Jovi, veja só que coisa homem. Ontem à noite depois do temporal, do nada, apareceu por aqui um cachorrão amarelo...

         Fui interrompido por ele.

         - Ah, não me diga que foi um cachorro grande de pelo amarelo.

         Respondi:

         - Sim, foi. Como sabe? Conhece o bichinho?

         - Pois olha seu Lima, é meio esquisito isso porque já faz mais de ano que ninguém vê esse cachorro por aí. Ficou perdido, sem paradeiro certo depois que foi abandonado. Muito manso ele, sabe? O dono dele morreu já tem uns cinco anos. Aí um pessoal cuidava dele, mas foi embora. O cachorro vivia sempre com o dono para todo o lado. O velho morava na casa aí ao lado. Vocês vieram no meio do ano seguinte. Era gente boa aquele seu Frederico.

quarta-feira, 3 de abril de 2013

PARA DIZER QUE NÃO FALEI EM FLORES

Vejo pelas ruas, multidões de jovens. E são jovens de muitas idades. Estudantes, pessoas que ocupam posições de destaque em suas atividades. Outras mais humildes. Nunca se faz a distinção necessária entre humildade e simplicidade. Também, trabalhadores de todos os status profissionais. O que a maioria tem em comum? A juventude de ter menos de 50 anos. Claro que isso, em principio pode parecer sem sentido, mas vou tentar explicar como melhor souber. Se entenderem e concordarem, ótimo. Se ao contrário, quase nada mudará no cenário em que vivemos há muito.
Pois bem. Temos assistido, entre apoiadores insuflados e opositores contumazes da desordem, uma sequencia desordenada de eventos de manifestações, cujos motivos não são bem claros ou, cuja fundamentação é, para dizer o mínimo, discutível.
 Se vandalizar prédios públicos e, na esteira da turba enfurecida houver danos aos bens alheios, danem-se os que estiverem no caminho. Se gente mal informada (e a grande maioria é muito mal) se aglomera para protestos grotescos, incitados por repúdios ao que notoriamente desconhecem, eis aí uma típica massa de manobra. Gente que se torna rebanho.  Se torna gado útil que se lança ao risco do abate, por causas que nem sabem de onde vem, tampouco como terminam. Tudo o que pensam que sabem tem origem no que lhes foi contado, naquilo que nunca viram ou viveram. E o dito popular sustenta que “quem conta um conto, aumenta um ponto”. E assim é. Pergunto aos indignados e revoltados manifestantes: Qual é a sua verdadeira causa? Que bem comum defendem? Qual o propósito? Onde querem chegar? E por fim, como tudo isso vai terminar?  Vou lhes dizer algo que pode parecer inconsistente, mas é uma realidade da história deste país que muitos têm interesse em contar em retalhos mal costurados. Isso mesmo, a história recente é uma tremenda colcha de retalhos, onde a verdade foi camuflada, deturpada, corroída pela necessidade do sigilo e, as notícias sempre de bastidores ou clandestinas, eram repassadas com a necessária condução do direcionamento, com intuito de arregimentar uma nação que não sabia de quase nada. Não havia internet, nem e-mails, muito poucos tinham telefone e celular era ficção científica.
As tentativas de manobra que se repetem no presente tiveram sua retomada no início dos 1960. Quando a maioria absoluta dos revoltados de hoje, sequer tinham ideia de nascer. O vice-presidente João Goulart  estava na China comunista “em missão diplomática”, quando Jânio Quadros renunciou. Voltando às pressas,  o vice iria assumir o comando, mas um grupo de observadores severos tomados do medo do avanço comunista, tentaram impedi-lo. Ocorreram os fatos que ficaram conhecidos como “Movimento pela Legalidade”, liderado por Leonel de Moura Brizola. Ato legítimo, até aí. Só que grupelhos de aparelhamento se esgueiravam pelas sombras e subterrâneos, aproveitando-se da coragem do caudilho. A sensação de medo do terror só se fez aumentar. Houve assaltos a banco, sequestros e assassinatos sob a bandeira de resistência civil. Estava sendo travada uma revolução com pretensões de ser do proletariado contra a burguesia. Quem tinha negócios próprios – como ter uma padaria, por exemplo – era patrão, portanto burguês. Esta é a tese mais desastrosa das ideologias desenvolvidas, mas havia e, ainda há muitos seguidores imbecis dessa doutrina de rancor. Os comandantes das forças armadas, que tem a obrigação constitucional de estabelecer e manter a ordem viam a cada dia o que se agigantava. Não se enganem, há muito mais instrução política e social nas forças armadas, do que meramente instrução bélica. Foi aí, que naquele 31 de março de 1964, eclodiu a contrarrevolução. Erroneamente chamada de golpe ou revolução. Já havia uma revolução, prestes a tornar-se guerra civil. Os militares impediram. Não pretendo aqui, absolver os excessos, tampouco os abusos. Não apoio qualquer forma de totalitarismo ou ditaduras, sejam elas fardadas ou de paletós e gravatas. Mas vivemos no grave limiar da ditadura que o país e seus jovens desconhecedores da verdade, estão escolhendo e acolhendo. Fascinados pela aventura no desconhecido. Embriagados pela falsa promessa de igualdade, que nunca haverá. Pois só emerge e melhora sua condição de vida aquele que estuda e trabalha muito. Dedica-se com o mesmo fervor ao produzir para si uma escalada de qualificação e conhecimento, aliando tudo isso à experiência, único caminho para ter-se sucesso em qualquer empreitada.
 Tendo entender a paixão idólatra destes jovem com menos de cinquenta anos, pois eles não viveram nada disso. Eles não estavam lá.  Tudo que aprenderam foi por meio das histórias contadas sempre com um final diferente, tal como as histórias de Cinderelas e Brancas de neve, onde sempre tem um príncipe e uma bruxa má. Se passaram exatos quarenta e nove anos, neste 31 de março de 2013. Lhes digo tudo isso, pois não lhes falarei das flores que supostamente vencem o canhão.