quinta-feira, 18 de abril de 2013

HEROIS DO FUTURO

A senhora Wayne desceu a longa escadaria que levava aos porões da mansão, onde seu filho certamente estaria:
            - Bruce...Bruce, onde está você?
            Olhou em volta, pelo salão enorme, e só viu os caixotes, ainda lacrados e com os selos todos escritos em chinês, as únicas palavras em inglês eram “Made in Taiwan”. Continham equipamentos de alta-tecnologia, importados pelo marido, riquíssimo industrial dono de centenas de empresas. O extraordinário aparato eletrônico, fabricados sob encomenda, serviriam para satisfazer os exóticos caprichos do filho, que insistia em dizer que tais “brinquedinhos” faziam parte de um projeto secreto, que no futuro iriam ajudá-lo a combater o crime de maneira high tech - “coisas de menino” - diziam os pais.
            - Apareça logo, Little Bruce, você tem visita.
            O jovenzinho tinha outros hábitos estranhos, mas era extremamente inteligente. Lia quase tudo, em vários idiomas, de Aristóteles a Hackers - Piratas de computador, tendo lido pelo menos umas cinco vezes Tieta do Agreste de Jorge Amado, talvez pelo conteúdo educativo do Best Seller do baiano.
            A senhora insistia:
            - Bruce. Apareça de uma vez por todas. Richard Grayson, aquele pobre menino do orfanato veio para sua visita semanal. Você sabe que temos um compromisso com a madre-diretora, e tem que brincar com ele esta tarde.
            - Qual é mãe! - disse Bruce Wayne, que tentava desvencilhar os pés das presilhas que o sustentavam de cabeça para baixo, no teto do porão. Ele ficava horas assim, e os Wayne preocupados com as manias esquisitas do garoto pensaram em levá-lo a um psiquiatra, porém ficaram mais tranquilos, quando este explicou que se tratava de um estudo prático e comportamental, para um tratado que estaria desenvolvendo sobre a vida dos morcegos. Apesar da estranheza, conformaram-se. - Esse pirralho de novo, que saco!
            - Não fale assim do Dick, querido! Ele não teve a sorte de nascer abastado, como você. Bem, comporte-se que Alfred já preparou um lanchinho para os dois, junto à piscina.
            - Droga! Tenho mesmo que aturar esse pivete?
            - Tem! - obrigou a madame.
            - Tá certo. Pelo menos posso convidar os garotos da turma?
            - Pode. Mando providenciar mais lanches, mas já vou avisando, se você aprontar estripulias e correrias pelo jardim e não cuidar das minhas tulipas escandinavas, eu bato em você prá valer!
            - Tá bom, manhê.
            Além da devoção à família, o maior apego da senhora Wayne eram as tulipas, flores raríssimas que brotavam no imenso jardim da mansão, e que só se abriam à noite e uma vez por ano, exatamente como ela.
            A turma já estava reunida, sempre liderada por Bruce, o mais forte dos garotos, mesmo não sendo o mais velho. Quem tinha mais idade, era um garoto baixote, meio roliço, que tinha um nariz pontiagudo, parecendo que lhe brotava uma cenoura no rosto meio redondo. Para completar, mesmo quase adolescente, mantinha sempre um pirulito na boca, de onde só aparecia o palito. Tinha, também, o mau-hábito de sempre falar com a guloseima na boca, enchendo-lhe as bochechas e que lhe atrapalhava a dicção. Havia, ainda, o cacoete de usar um bordão, toda a vez que ficava nervoso: “Eu, hein! Eu, hein!”.
            Cada vez que dizia isso, a meninada ria debochada, pois o som que saia, mais lembrava um pato a grasnar:
            - Fala quenquém!
            Mesmo que isso o irritasse, já não ligava. Havia se acostumado.
            O outro menino da turma era um grande fanfarrão, fazia piada de tudo e de todos. Vivia de traquinagens muito levianas e até malvadas. Era o bobo do grupo, porém achava-se divertido. Em todos colocava apelidos.
            O gorduchinho era o pinguim:
            - Ha,ha,ha! Quando você crescer tem que comprar um fraque e um guarda-chuva, e procurar emprego como porteiro de geladeira - divertia-se. A Bruce, que tinha as orelhas de abano e, pior, ligeiramente pontudas, traço peculiar de família, chamava de morcegão, principalmente depois que este lhe contara de suas pesquisas sobre o mamífero alado e de seus hábitos noturnos, e que estaria treinando para aprender a dormir pendurado pelos pés, no porão da mansão. Ao velho mordomo Alfred, que tinha linhagem inglesa, a postura inegavelmente britânica e era muito idoso, zombava maldosamente chamando-o de tio Funéreo. Ao menino órfão, recém reunido à turma, lançou a nova galhofa:
            - Bem, você está chegando agora, mas tem que saber que para brincar junto com a gente tem que ter apelido, e já que você vive na Febem...
            - Não é Febem, é um orfanato. - intercedeu Bruce.
            - Certo. Orfanato, Febem... É quase a mesma coisa. Normalmente lá vive gente pobre, e alguns viram ladrões.
            - Santa comparação! - disse Dick Grayson.  O gozador continuou:
            - Tem uma história de um ladrão que roubava dos ricos para dar aos pobres, isto é, para si próprio. E acho que este será seu futuro. Seu apelido será Robin Hood.
            - Santo apelido! - consentiu o pequeno Dick, que mesmo não entendendo muito bem, pelo fato de ter apenas sete anos, além do mais, estava mais interessado em comer o mais rápido possível, a maior quantidade de brigadeiros que conseguisse, e tentava guardar alguns nos bolsos da calça, o que foi notado pelo maldoso garoto:
            - Viram? Viram?  Já está roubando com este tamanho! O menino é um prodígio, esse tal Robin Hood. - e o pequenino:
            - Só Róbim, tá bom! O Údi eu não gostei.
            - Que seja Robin! Para combinar com roubinho. Ha, ha, ha. Agora temos o Morcegão, o Pinguim e o Robin.
            De repente o silêncio interrompeu os risos. Todos se deram conta que o malandro não tinha apelido, então Bruce Wayne contra-atacou:
            - Bem, meu caro Arlequim. Tenho aprendido a jogar canastra com meu pai, e como você é um grande canastrão, eu acho conveniente pôr lhe um apelido com o nome da carta mais safada do baralho - O Coringa!
            - Coringa, eu? Seu riquinho besta! Tá me comparando com aquelas calças vagabundas, a tal de brim coringa?
            E começou a confusão. O Coringa, de apelido novo, corria atrás de Bruce Wayne, no que foi ajudado pelo Pinguim, que só grunhia -”quenquém”- por causa do pirulito, enquanto o Robin continuava comendo os brigadeiros e, só dizia:
            - Santos brigadeiros, santos brigadeiros!
            No corre-corre, pisotearam as adoradas flores de madame Wayne que, quando viu, acabou com a arruaça, arrastando o jovem Bruce pelas orelhas. E sentenciou:
            - Eu lhe avisei safado, cretino. Agora tu vais levar uma sova de chicote de cavalariça.
            - Não, mãe! Por favor, please! Pode puxar as orelhas, elas já são pontudas mesmo. Só não bate, mãe! Só não bate, mãe!
            Enquanto a senhora Wayne arrastava o menino para dentro, no lado de fora, só se escutava os apelos, que ecoavam do imenso living da mansão:
            - N...Batemãe, batemãe, batemãe...

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