- Quero dar queixa, doutor. É contra o meu vizinho o Normélio. Ele está roubando minhas galinhas.
O homem dizia isso, já quase sem fôlego. O Delegado da fronteira foi tentando acalmar as coisas:
-Sossega índio velho. Senão, tu te afoga na própria baba de mascar fumo. Vai falando, mas conta os pingos dos “is”.
- É que o Normélio, meu vizinho, vem roubando minhas galinhas. Da poedeira à velha, que cuidava como nenhuma dos ovos dos galos de rinha.
- Tu cria galo de rinha? Saltou o Delegado.
- Bem, doutor. Só prá ver crescer aquelas formosuras, tudo com as penas coloradas bem reluzentes.
- Ah! Sei. É só prá regalo dos olhos.
- É...
- Tá Bueno! Tu tem certeza que é teu vizinho? Tens prova?
- Prova eu não tenho, mas é só ver no pátio dele o mundaréu de penas que tem lá.
- Mas, pena não é prova! Isso toda galinha tem, e até mulher-dama solta umas de vez em quando. Talvez o homem esteja juntando prá uma fantasia de carnaval, prá sair no bloco “Estação primeira dos Chibeiros da zona do Buraco de Libres”.
- Côsa nenhuma, doutor, é ladrão mesmo. Eu o vi levando duas, das brancas.
- Vai ver que teu vizinho é macumbeiro, e tu não sabe. Ou então só queria fazer canja prá alguém doente, fez até caridade com tuas galinhas.
- Nada disso, seu Delegado. O tal é sem-vergonha. Ou então, tá fazendo caridade prá toda a Legião da Boa Vontade, pois é a duocentésima qüinquagésima terceira galinha que ele rouba.
- E onde é que tu aprendeste a falar assim de número? Ou tu és parente do Oswald de Souza, ou anda com mulher de contador.
- Não importa, doutor. Só sei que é o Normélio!
Diante das evidências, da queixa formal, e até o testemunho ocular da vítima, ao Delegado da fronteira só restou intimar o acusado.
Intimado, o ladrão de galinhas compareceu à delegacia, onde foi dado início ao inquérito, começando com o interrogatório:
- Desembucha, tchê! Tu roubaste ou não as galinhas do teu vizinho?
- Acontece, doutor...
- Acontece côsa nenhuma! Tu é que faz acontecer, ou melhor, desacontecer.
- Mas é isso, doutor delegado! É que as bichinhas insistem em ir pro meu terreiro, comer o meu milho, então achei justo ficar com uma ou duas pelas despesas com o milharal. Depois que provei, aí não teve jeito, gamei no gostinho. Agora entrou, vira canja ou galeto assado, como mesmo e com gosto.
- Tá vendo! Eu sabia que tu ias confessar. Abigeato e seqüestro seguido de morte. Crime hediondo.
- Abigeato? Mas abigeato é roubo de gado e, seqüestro...Tá louco doutor?
- Louco, não. Apenas emputecido com o que tu fizeste. Comeu as crias do teu vizinho.
- Mas não foram as filhas, foram as galinhas.
- Não importa. Elas te pediram prá ir?
- Não...
- Então, seqüestrou... E ficaste com elas?
- É, fiquei, mas...
- Nem más, nem boas! Roubou! Aí é abigeato. O seqüestro eu até desconsidero, e o fato de comer, se não estivessem mortas, seria corrupção e abuso sexual, mas vou relevar esta parte, por se tratar deste bicho, já que eram galinhas mesmo.
- Seu doutor, não foi abigeato!
- Como não? Não tinha cerca?
- Tinha. Mas abigeato é roubo de gado!
- E não é? As galinhas eram o rebanho dele. Roubou é abigeato. Tá enquadrado, teje preso, mas só até amanhã ao meio-dia. Ta intimo a preparar o meu almoço, vais preparar um galetinho lindaço que, pelo jeito é a tua especialidade.
Nenhum comentário:
Postar um comentário