segunda-feira, 8 de abril de 2013

HISTÓRIAS DE IBIRAQUERA

Da janela da sala, observando a lagoa de Ibiraquera era possível ver que não demoraria muito para que o temporal que avançava sobre a serra do tabuleiro alcançasse aquele remanso na encosta do morro. A casa alta toda avarandada em seu segundo piso é realmente confortável e acolhedora em toda a sua simplicidade. Alguns minutos se passaram e os ventos já eram fortes o bastante para trepidar os vidros e balançar as árvores. E a chuva chegou intensa, com relâmpagos e trovões. Anoiteceu em seguida. Mesmo com a virada no clima, a calmaria e o sossego do lugar não foram afetados. Permanecíamos às voltas com nossas atividades, que ali, eram de lazer e criação. Aliás, o ambiente propiciava tudo para reflexões e criatividade.
         A chuva aos poucos foi diminuindo e os sons das trovoadas ficavam mais distantes. Somente um ou outro clarão iluminava a noite escura.
         Eu estava à mesa redigindo notas e tentando construir algumas frases, compor ideias o mais ordenadamente que pudesse. Quase nunca este é o modo como escrevo, mas estava me atrevendo ao exercício. Lisa estava cuidando da edição de algumas fotos em seu computador sentada ao sofá que se posiciona em frente às janelas.
         A noite finalmente ficara em seu habitual estado de calmaria, com a quietude e o som suave de um vento agora leve. Foi nessa atmosfera agradável que, de repente, vi parado diante da porta que fica permanentemente aberta, um grande cachorro de pelo amarelo. Ele estava assim, quieto. Parado apenas nos observando, quando chamei a atenção de Lisa. Nesse momento, sem qualquer cerimônia, o cachorro amarelo se aproximou de mim e se postou com a cabeça levemente abaixada para receber um afago, depois se dirigiu até onde estava Lisa para também receber um carinho. Feito isto, apenas deitou-se aos meus pés e dormiu como se fosse um amigo de sempre. Chegava a suspirar. Ficamos observando o cachorro amarelo e sem entender nada, não fizemos qualquer comentário, apenas nos olhamos e sorrimos, dando de ombros.
         Continuamos com as coisas que estávamos fazendo por cerca de uns trinta ou quarenta minutos. O cachorro amarelo, vez ou outra apenas abria os olhos, percebendo que estava sendo observado e, abanava levemente a cauda em sinal de cortesia. Como se dissesse “oi, tudo bem aí?”.
         Finalmente Lisa olhou para ele dizendo:
 
         - Vem cá rapazinho! Que você veio fazer aqui? Uma visitinha? Temos que te dar um nome...humm...acho tem cara de Frederico, Fred. Isso. Vamos te chamar de Fred.

         Eu me levantei alguns minutos depois e fui para a varanda, e chamei o cachorro amarelo - o Fred - para sair à rua, pois pretendia fechar a porta e nos preparar para dormir. Tínhamos planos de ir até Siriú no dia seguinte. Fred simplesmente caminhou até a porta, mas não saiu. Ficou me observando com olhar gentil, mas não saiu. Então recorri à tradicional armadilha: comida. Peguei duas almôndegas do jantar e coloquei na rua para ele. Funcionou. Fred saiu para comer, então fechei a porta e fomos para o quarto, após desligar as luzes da sala, deixando apenas ligadas as da varanda.
         Depois de alguns minutos, já deitados, ouvimos um ruído estranho do lado de fora da casa, como se alguém tivesse empurrado as cadeiras na varanda. Levantamos em silencio e, ao chegarmos na sala vimos uma cena que vai ficar sempre na memória. O Fred simplesmente subiu em uma das cadeiras de vime e postou-se como uma sentinela. Percebeu nossa presença e apenas virou a cabeça, deu uma olhada e voltou ao posto de guarda. Não se moveu dali, nem quando Lisa o fotografou.
         Na manhã seguinte a primeira coisa que fizemos foi procurar pelo cachorro amarelo. Tinha ido embora, tão sutilmente como chegara.
         Tão logo o chimarrão ficou pronto, sentamo-nos na varanda. O velho Jovi, vizinho e caseiro de sempre, trazia as vacas de leite Fumaça e Fumacinha para leva-las ao pasto que ficava adiante a uns duzentos metros da casa. Sempre passava pelo terreno margeando a lagoa.
         Depois do tradicional “bom dia”, comentei:
         - Jovi, veja só que coisa homem! Ontem à noite depois do temporal, do nada, apareceu por aqui um cachorrão amarelo...
         Fui interrompido por ele.
         - Ah, não me diga que foi um cachorro grande de pelo amarelo.
         Respondi:
         - Sim, foi. Como sabe? Conhece o bichinho?
        
        - Pois olha seu Lima, é meio esquisito isso porque já faz mais de ano que ninguém vê esse cachorro por aí. Ficou perdido, sem paradeiro certo depois que foi abandonado. Muito manso ele, sabe? O dono dele morreu já tem uns cinco anos. Aí um pessoal cuidava dele, mas foi embora. O cachorro vivia sempre com o dono para todo o lado. O velho morava na casa aí ao lado. Vocês vieram no meio do ano seguinte. Era gente boa aquele seu Frederico.

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